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Escrita ao Luar

Um blog de “escrita” sensitiva e intimista sobre (quase) tudo... e com destaque para: viagens, ambientes inspiradores e gastronomia.

Escrita ao Luar

Um blog de “escrita” sensitiva e intimista sobre (quase) tudo... e com destaque para: viagens, ambientes inspiradores e gastronomia.

Escrevinhando na praia (de Stº André)

Parece uma tela de matriz azul, onde o artista pincelou laivos de branco. Assim está o mar e o céu (hoje) na praia de Stº André.

Recostada na velha cadeira de praia, e olhando para lá do horizonte, a imagem que se afigura aos meus olhos é linda. O sol brinca às escondidas mas a temperatura está ótima. Gosto desta praia! 

 

 

Longe de multidões (e de olhares indiscretos), por aqui consigo relaxar. Agradeço, por isso, à natureza o bem-estar que me proporciona. Aqui disfruto do sossego e do silêncio da vida. Um silêncio que me permite tomar um café comigo mesma, como sugere Walter Dresel no seu livro “toma um café contigo mesmo” (um dos livros que ando a ler).

 

 Praia de Stº André

 

Depois do mar, a lagoa… entre ambos um almoço delicioso. Ensopado de enguias no restaurante Martins. Um lugar de grande simplicidade mas onde se come (sempre) bom peixe fresco.

 Lagoa de Stº André

 

No final da tarde, a caminhada habitual pelo longo e extenso areal, logo seguida de mais um mergulho nas águas cristalinas do oceano.

Antes do regresso a casa e para ver o pôr-do-sol, uma bebida na esplanada do apoio de praia. Uma edificação de arquitetura ultra moderna. Um espaço agradável e muito clean onde apetece estar. E voltar...

 

 Apoio de praia (e esplanada) de Stº André

 

 

Nota: uma ideia para quem goste de praias sossegadas mas com qualidade. Fica no concelho de Santiago do Cacém (litoral alentejano) a mais ou menos uma hora e um quarto de carro, a partir de Beja.

Ser Professor (hoje)

 

Angústia. Desolação. Fadiga. Exaustão. Cansaço físico e mental. Um estado de alma incomparável. Sem forças para alterar o rumo das coisas. Eis o retrato do professor atual, o professor dos tempos que correm (velozmente) e que deseja, antes de mais, respeito e um estatuto consentâneo com a sua responsabilidade.

É frequente ouvir dizer: “antigamente é que era bom…“ O que era bom? Era bom ser professor? Era bom ser aluno? Era bom ir à escola?

Já não sou propriamente “jovem” mas também não sou “velha” o suficiente. Sou uma professora com trinta anos de serviço efetivo em prol da educação e, concomitantemente, em prol do desenvolvimento do país. Vivi reformas educativas (várias), executei políticas educativas (diversas), lecionei a centenas de alunos. Com maior ou menor entusiasmo, maior ou menor convicção, maior ou menor ceticismo, executei as tarefas impostas e fiz o melhor que podia (e sabia). Dei o melhor de mim. Com empenho e dedicação abracei a profissão que escolhi por vocação. Aos sete anos, em casa da minha avó, fazia da “tábua de tender o pão” a minha secretária caseira. Sobre a mesma colocava os manuais escolares com os quais ensinava os escassos “alunos” (um ou três, conforme os dias). A pequenada da vizinhança aproveitava, desse modo, para fazer os trabalhos de casa e aprender (nalguns casos) conteúdos mais avançados (que a “professora” já aprendera). Foi assim, desta forma, que o desejo se tornou real. Ainda hoje, apesar de tudo, os momentos em sala de aula, junto dos alunos, constituem momentos únicos e de grande realização pessoal. É por eles que continuo na profissão e dou o meu melhor.

Todavia, reconheça-se, ensinar no século XXI, numa sociedade em plena crise de valores, não se afigura tarefa fácil. Há cada vez mais uma ausência e/ou desuso de um conjunto de valores morais e cívicos norteantes da vida em sociedade, os quais são indicadores da cultura e do modo de estar e ser de um povo. Estamos perante aquilo que alguns designam de “crise de valores” e “ falta de cidadania”. Essa “ausência de regras” é já notória em grande parte dos nossos alunos. Os alunos evidenciam, eles próprios, os sinais dos tempos. Mais irreverentes, mais intolerantes a tudo, menos interessados na aquisição de novos saberes. Muito confinados ao seu mundo. Um mundo virtual e silencioso. Um mundo onde a partilha e o convívio escasseiam e a obediência e o respeito não existem. É difícil moldar personalidades vocacionadas para a rebeldia e para a falta de ambições. Além disso, a família enquanto estrutura de apoio está em processo de desmoronamento. A sociedade vive dias difíceis e os alunos percebem isso e absorvem as angústias subjacentes. Resultado: alunos desinteressados e desmotivados e uma Escola onde todos o profissionais da educação, entre os quais os professores, lutam para contrariar as tendências. Uma luta inglória que conduz ao estado de alma frequente nos dias de hoje: desmotivação geral.

Uma grande maioria dos professores está efetivamente desmotivada com a sua atividade. A indisciplina dos alunos, a falta de incentivos e reconhecimento profissionais, a burocratização do sistema educativo, entre outros, são alguns dos problemas inerentes à classe e que alavancam esse descontentamento generalizado. Não por falta de vocação, como alguns (os menos esclarecidos) teimam em afirmar, mas porque quem legisla desconhece o contexto real da profissão, suas lacunas e constrangimentos. Até quando vamos continuar a "reformar" o sistema educativo esquecendo um dos seus principais intervenientes? Sem professores motivados não há relação pedagógica saudável e não se atinge o objetivo último da educação: formar cidadãos plenos. É suposto os professores serem detentores de um conjunto de valores sociais, morais e éticos capazes de mover consciências e de ajudar a construir e reconstruir a realidade social. No entanto, sem a aceitação social do professor, como agente fundamental do crescimento e desenvolvimento das sociedades, a tarefa é árdua e muitas vezes não resulta. É esse desalento decorrente da tarefa de educar que conduz, muitas vezes, ao abismo emocional e, não raras vezes, ao desgaste físico. Perguntam-me: e qual a solução? Não há soluções mágicas e imediatas, mas há o acordar de consciências para ajudar a alterar políticas lesivas dos direitos de quem tem por missão a educação.

 

Maria Sebastião

 

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"Vi (Ana) do Castelo"

Subir ao alto do Monte de Santa Luzia e avistar a ampla e maravilhosa vista da cidade de Viana do Castelo, do estuário do rio Lima (e do mar) foi um momento inesquecível. Naquele dia, apesar do frio, o sol (de inverno) tinha um brilho especial. O brilho do encanto e da diversão que torna tudo mais bonito.

 

 

A subida, no elevador de Santa Luzia, até à Basílica do Sagrado Coração de Jesus (ou de Santa Luzia) fora agendada para manhã cedinho. Desta forma não haveria perdas de tempo nem filas ou outras confusões típicas de locais icónicos como aquele. Uma basílica inspirada na arquitetura do famoso Sacré Coeur (em Paris). Valeu a visita. Uma paisagem magnífica, um local sagrado digno de registo.

 

 Basílica de Santa Luzia

 

Em seguida, uma visita ao centro histórico para visualizar os edifícios e locais mais emblemáticos. Destaque para o património arquitetónico rico de estilos (barroco, manuelino, Art Decó…). Conclusão: uma cidade com alma e bem tratada por todos os responsáveis autárquicos.

 

 Cidade de Viana do Castelo (detalhes)

 Teatro Municipal Sá de Miranda

 

Ao final da tarde, um chá num dos cafés do porto para relaxar e apreciar a envolvente. Antes, uma visita breve ao navio-hospital, o Gil Eanes, atualmente um núcleo museológico e Pousada da Juventude. 

 

 

Praça da Liberdade

 

À noite, um jantar fantástico, em boa companhia e um sono tranquilo e reconfortante na lindíssima Casa Melo Alvim, um solar do século XVI, restaurado e transformado em hotel de charme.

 

Quarto na Casa Melo Alvim

 

 

Nota: reza a lenda que certo dia, um cavaleiro apaixonado por uma princesa que vivia num castelo, um dia avistou a dita donzela à janela. Eufórico e completamente rendido a tanta beleza, gritou bem alto pela cidade: “Vi Ana do castelo!”, “Vi Ana do castelo!”. E assim, desta forma, teria origem o nome da magnífica cidade de Viana do Castelo.

 

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A menina que brincava com anéis

 

Era uma menina linda. Diziam. De rosto perfeito emoldurado por um cabelo louro levemente ondulado. Tímida mas meiga. Simpática. Sorria com os olhos. Ainda hoje (já mulher madura) não consegue disfarçar os sentimentos e as emoções. Transporta no olhar os reveses da vida. Alegrias e tristezas. Amor e rebeldia.

Tinha um dom: captar a simpatia de todos aqueles que com ela privavam. Os pais, de posses medianas, deixavam muitas vezes a menina na companhia dos avós. Cresceu com eles.

Tinha uma mente criativa, por vezes ardilosa, que lhe permitia brincar sem muitos recursos. Imaginava histórias, construía enredos, sem brinquedos convencionais.
Na pequena horta, junto à casa onde vivia, tinha por hábito brincar nos montes de areia junto ao poço. Gostava de brincar ali. Entretinha-se a esconder o pequeno anel de ouro que a mãe insistia em lhe colocar no dedo anelar. No pequeno aro de ouro, uma minúscula safira brilhava mal o sol incidia sobre ela. Era uma alegria encontrar a pequena joia no amontoado de areia. A mãe, sempre atenta, alertava-a, ralhando frequentemente, perante a iminência da perda. O espírito aventureiro e temperamental incitava-a a prosseguir. Já nesse tempo gostava de desafiar o mundo. Até ao momento em que o pequeno anel desaparecia (magicamente) por entre os grãos de areia…

Os momentos seguintes eram verdadeiramente ameaçadores. A mãe ralhava de tal modo que a menina se refugiava quase sempre no colo do pai. Aí sentia proteção. Depois de uma dose extra de mimos, desafiava novamente a mãe com outra brincadeira qualquer, arriscada e menos própria.

 A cena repetiu-se várias vezes. Anos a fio. Tantas vezes quantos os anéis que a mãe insistia em comprar à menina. Cresceu e fez-se mulher. Uma mulher atenta aos detalhes na arte de bem vestir. Gostava de joias. Comprou o seu ”primeiro” anel de senhora. Um solitário com uma safira, rodeada de pequenos brilhantes. Impulsiva no querer, nem reparou que se tratava de um “anel de noivado”. Um modelo muito procurado na época por influência da Princesa Diana de Gales. Não deu qualquer importância ao facto e ostentou orgulhosamente a joia destituída de qualquer laço afetivo. Esqueceu a simbologia do anel. Até ao dia em que alguém lhe perguntou se estava noiva. Respondeu que não. O anel era um simples objeto de adorno, sem qualquer significado.

Casou. Foi feliz. Um dia, sem saber como, o símbolo daquela união desapareceu. Perdera a “aliança de casamento”. Aquela que, segundo se diz, simboliza a união eterna.

Nunca acreditou em lendas (ou mitos) mas a sua história fê-la pensar. Percebeu (mais tarde) que a partir daquela data entrou num caos de vida que haveria de a conduzir à perda (eterna) do marido. Nada colmatava a saudade que sentia. Apenas a dor se atenuou com o tempo. Voltou a usar o velho anel “de noivado”. Os dedos secos e enrugados pelo tempo já mal sustem a joia cuja safira, desgastada, perdeu o brilho de outrora como os olhos da mulher que a ostenta. É bonita (ainda). Algo vaidosa. Continua a gostar de enigmas e de seduzir. Pensa na sua história de vida. Na história do anel e relembra os tempos de infância, da juventude, de mulher adulta… reflete sobre o passado e sonha (ainda) com o futuro. Almeja paz e tranquilidade. Um porto seguro, onde possa abrigar-se dos ventos ciclónicos que sopram do “mar das tempestades”. Um mar que alberga preconceito, orgulho, vaidade, inveja e maldade. O mar da Vida como nos primórdios da vida planetária. Também nessa altura o mar primitivo albergava minúsculas microgotas que competiam entre si. Sobreviviam naturalmente as “mais aptas”. Por simples seleção natural. Como sobreviveu a mulher que parece frágil mas que é, afinal, um rochedo onde o “mar” bate constantemente, esculpindo rugas e sulcos.

Passou o tempo mas a alma de guerreira permanece intacta. Robusta e lutadora. Quer voltar a ser feliz. Amar e ser amada (sempre).

Sentada no alpendre sob a luz das estrelas sonha com a chegada do Príncipe (encantado), como nos contas de fadas. Acredita nele. Acredita no amor. Sempre e até ao fim dos seus dias.

 

 

Tributo ao verão

Chegou de mansinho. Tímido e algo preguiçoso. Chegou o verão. Há magia e alegria à sua chegada. Agitam-se os corpos dourados pelo sol. Há suor nas faces dos camponeses. Gritos de crianças brincando na água.

Há um colorido especial nas faces das gentes. O sorriso do veraneante embeleza-lhe o rosto e mima-lhe a alma. Cheira a férias e descanso.

 

 Mar... rio...

 

Adoro o verão e as sensações a ele associadas. Dias longos, noites claras de luar intenso. Dias para sonhar e deambular no pensamento. Na praia, no rio, no campo, em casa.

Abrir a janela e deixar entrar a brisa da tarde. Sentir o perfume dos campos e o canto do rouxinol na mata. Tudo isto eu quero, e eu tenho (aqui) neste cantinho. Na minha varanda, ao fim da tarde, no verão.

 

... campo

 

Ser avó (hoje)

 

O alarme acabou de tocar. São sete horas da manhã de sábado. Apesar do cansaço da semana de trabalho, sinto-me enérgica e entusiasmada com a tarefa que se segue. Ser avó “a tempo inteiro”. Tarefa complexa, atendendo à idade dos pequenos, mas ainda assim prazenteira e compensadora. Sabe-me bem ser avó. É voltar a ser mãe. Mais madura, mais paciente e mais atenta a tudo. O prazer do sorriso franco dos meus netos supera qualquer dissabor da vida quotidiana. A sua alegria contagiante anula qualquer réstia de pessimismo da vida.

Neste dia a as tarefas duplicam. Entre papas e mudanças de fralda, banhos e histórias para adormecer e dois passeios pela quinta (a meio da manhã e ao fim da tarde) para ver os animais e contatar de perto com a natureza, ainda há tempo para cozinhar umas paparocas caseiras para o resto da família pois as responsabilidades não cessam e há que manter em equilíbrio toda a estrutura.

Na minha infância os avós eram “velhos”. Homens e mulheres de cabelo grisalho (às vezes branco) que contavam histórias inesquecíveis. Daquelas que acautelavam para a vida e ensinavam (sempre) qualquer coisa. Os tempos mudaram e alteraram o perfil dos avós. Hoje, os avós são “jovens” ativos, com múltiplas tarefas a seu cargo (ainda) e uma dose de preocupações acrescida. São pessoas cansadas da profissão e das vicissitudes da vida. Pessoas preocupadas, tristes e deprimidas (muitas) sem alegria e sem tempo para os outros. Anseiam por férias num lugar tranquilo. Outras, felizmente, são pessoas alegres, bem-dispostas e que acompanham a evolução dos tempos modernos.

Também é verdade que, hoje em dia as crianças dão menos trabalho. O papel antes reservado aos pais e aos avós foi em parte transferido para a escola e para as “novas tecnologias”. O educador deixou de ser real e passou a ser virtual. Mas os avós, apesar de tudo, continuam a ser uma referência fundamental (julgo).

Os valores transmitidos pelos avós deixam marcas profundas nos netos. São base da sua personalidade. Quem sou? Para onde vou? Questões fundamenais e fortemente condicionadas pelas vivências na infância. Nesta fase da vida, todos os valores transmitidos desempenham uma função fortemente construtiva e alicerçante da personalidade futura. Marcantes, diria. Desengane-se quem considera que os mimos dos avós estragam. Os mimos e os afetos robustecem-nos e dão-nos mais confiança. Tornam-nos pessoas mais sensíveis e mais solidárias. Por isso quero mimar muito os meus netos e, simultaneamente, transmitir-lhe os ensinamentos que os meus avós (e o meu bisavô materno) me transmitiram. Valores que marcam. Valores imprescindíveis à vida em sociedade: família, amizade, humildade, honestidade e solidariedade.

 

(No) Pulo do Lobo

Quantas de nós já pensaram: quero ser princesa! Muitas (suponho). Mas nenhuma, certamente, gostaria de ter sido a princesa da lenda do Pulo do Lobo. No final (infeliz) a jovem princesa desaparece para sempre com o seu amado nas águas revoltas da cascata fluvial. A lenda associada ao Pulo do Lobo tem várias versões mas esta é a mais frequente e aquela que mais me fascina.

Aquele que já foi cenário de contos e narrativas, palco de celebridades e de lendas de encantar é um dos lugares mais emblemáticos do Parque Natural do Vale do Guadiana. Naquele sítio o leito de estiagem do rio é estreito, reduzido e confinado a uma cascata de mais de 20 metros de altura.

 

 Acesso à "cascata fluvial"

 

Em termos geológicos o local faz parte da chamada Formação do Pulo do Lobo uma das mais antigas formações geológicas da Zona Sul Portuguesa, dominada por filitos e quartzitos (as rochas predominantes). Logo depois da “cascata fluvial” o rio forma um pego largo e “quase circular” e um segundo vale, mais estreito e mais profundo, conhecido por “Corredoura”.

As margens, altas e pedregosas, tornaram em tempos o local menos acessível. Hoje, a acessibilidade pela margem direita é simples e fácil. Quem pretende ir até junto da cascata deverá fazê-lo por esta via, passando pelas aldeias de Corte Gafo e Amendoeira da Serra.

 

 A "cascata fluvial"

  

O Pulo do Lobo é um daqueles locais onde a natureza nos surpreende. Para uma amante da Geologia (como eu) estar a ali a ler o livro da história da Terra é sempre um acontecimento marcante. Momentos que nos conduzem à origem e evolução do nosso planeta.

Para além da contemplação da paisagem gosto de ouvir o marulhar da água, ler os segredos do tempo marcados nas rochas. Há muito para aprender ali. Conhecer e compreender para além da simples observação.

 

 

 Pego largo e “quase circular” (a seguir à queda de água)

A "Corredoura"

 

 

Vale a pena visitar (em família, com amigos, com alunos, sozinho…).

A feira (de S. Mateus)

É frequente ouvir dizer: “a tradição já não é o que era.” Concordo (em parte). Há de facto alterações sociais, económicas, culturais que acompanham a evolução dos tempos. Outras nem por isso. Os mais conservadores (julgo) sentem-se mais ligados às origens, ao passado. Vivem o presente e projetam o futuro em função das suas vivências passadas. Vivem em função do princípio da imutabilidade das coisas. Não sou assim. Mas confesso que sinto algum apego a tudo o que me fez feliz, num ou outro momento passado. Talvez por isso dê comigo a recriar episódios da infância (e juventude) que me marcaram para a vida.

Como o dia da feira (de S. Mateus). Naquele tempo, as ruas 25 de abril, da República e Cândido dos Reis, bem com o largo da escola primária e arredores, acolhiam as inúmeras tendas (e bancas) dos vendedores ambulantes.

 

 

Logo à entrada, na rua 25 de abril, as bancas com doçarias impunham-se aos olhos do público. Lembro-me do pinhonate (uma espécie de “pinhoada” com amêndoa) que o Tio António transportava num grande baú e vendia rapidamente por ser muito bom (mas caro também). Também o torrão de Alicante fazia as delícias de pequenos e graúdos. Além dos bolos tradicionais (e não só). Assim se fazia a subida da rua até ao largo da escola primária onde a pista dos carrinhos de choque exibia as novidades da música popular (e não só) tornando mais atrativas as manobras ao volante dos “bólides de ferro”. Eram autênticas corridas labirínticas onde cada “piloto” tentava escapar aos choques do “adversário” demonstrando a sua perícia na arte de conduzir. Tardes (inteiras) passadas a gastar as economias do mealheiro (feito a propósito). A diversão dos jovens, na feira, passava por ali. À noite, as idas à feira eram quase sempre feitas em família e para assistir ao espetáculo do velho circo Atlas. À entrada comprava-se o algodão doce para adoçar a boca enquanto se fitava com atenção a menina do trapézio, o malabarista, o domador de leões e os palhaços. Sempre os palhaços para alegrar a criançada e fazer rir os adultos, pois só estes percebiam o verdadeiro significado daqueles diálogos.

 

 

A feira era um acontecimento marcante na vida dos mertolenses. Logo pela manhã começam a chegar à vila pessoas de todo o concelho. A manhã era, normalmente, dedicada às trocas comerciais e venda de gado na “corredora”, assim se chamava o local, junto à antiga cerca do Carmo, onde se reuniam os negociantes de gado e os ciganos que naqueles dias por ali acampavam com as suas bestas. Por hábito os habitantes das freguesias mais afastadas vinham de manhã à feira. Depois de almoço regressavam a casa (ou até antes). A tarde, mais calma, concentrava, sobretudo, pessoas da freguesia sede de concelho.

Havia de tudo nas feiras. As novidades chegavam por esta via às zonas do interior do país. Era uma lufada de ar fresco na vida das populações. Havia quem se preocupasse com o traje que levaria para a feira, com muita antecedência. A cabeleireira (única) levava uma semana de trabalho intenso e às vezes (na véspera) trabalhava até altas horas da noite. Lembro-me de ver a minha mãe fazer permanente “a quente” (como lhe chamavam). Recordo-me do cheiro caraterístico dos “rolos quentes” e do papel a enrolar o cabelo. Gostava de observar aqueles rituais. Apreciar os penteados elaborados e sentir o cheiro da laca Sunsilk (muito usada na época).

Nesse dia acordava cedo. Ansiosa por chegar à feira. Corria para as bancas dos brinquedos e apreciava cada um com grande entusiasmo. Não apreciava, particularmente, bonecas. Nunca percebi porquê. Só mais tarde (quase com 9 anos) achei piada a uma boneca de cabelos ruivos e vestido verde-esmeralda que a minha mãe me comprou na feira, à qual não pude ir por estar doente. Talvez a pieguice da doença me deixasse vulnerável e sensível, ao ponto de me apaixonar fortemente por aquela criatura de plástico. Um brinquedo simples mas que marcou (para sempre) a minha infância.

 

 

Os tempos passaram, mudaram, e com eles as feiras. Os momentos marcantes da infância, esses permanecem guardados na memória. E ainda bem.

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