Era uma menina linda. Diziam. De rosto perfeito emoldurado por um cabelo louro levemente ondulado. Tímida mas meiga. Simpática. Sorria com os olhos. Ainda hoje (já mulher madura) não consegue disfarçar os sentimentos e as emoções. Transporta no olhar os reveses da vida. Alegrias e tristezas. Amor e rebeldia.
Tinha um dom: captar a simpatia de todos aqueles que com ela privavam. Os pais, de posses medianas, deixavam muitas vezes a menina na companhia dos avós. Cresceu com eles.
Tinha uma mente criativa, por vezes ardilosa, que lhe permitia brincar sem muitos recursos. Imaginava histórias, construía enredos, sem brinquedos convencionais.
Na pequena horta, junto à casa onde vivia, tinha por hábito brincar nos montes de areia junto ao poço. Gostava de brincar ali. Entretinha-se a esconder o pequeno anel de ouro que a mãe insistia em lhe colocar no dedo anelar. No pequeno aro de ouro, uma minúscula safira brilhava mal o sol incidia sobre ela. Era uma alegria encontrar a pequena joia no amontoado de areia. A mãe, sempre atenta, alertava-a, ralhando frequentemente, perante a iminência da perda. O espírito aventureiro e temperamental incitava-a a prosseguir. Já nesse tempo gostava de desafiar o mundo. Até ao momento em que o pequeno anel desaparecia (magicamente) por entre os grãos de areia…
Os momentos seguintes eram verdadeiramente ameaçadores. A mãe ralhava de tal modo que a menina se refugiava quase sempre no colo do pai. Aí sentia proteção. Depois de uma dose extra de mimos, desafiava novamente a mãe com outra brincadeira qualquer, arriscada e menos própria.
A cena repetiu-se várias vezes. Anos a fio. Tantas vezes quantos os anéis que a mãe insistia em comprar à menina. Cresceu e fez-se mulher. Uma mulher atenta aos detalhes na arte de bem vestir. Gostava de joias. Comprou o seu ”primeiro” anel de senhora. Um solitário com uma safira, rodeada de pequenos brilhantes. Impulsiva no querer, nem reparou que se tratava de um “anel de noivado”. Um modelo muito procurado na época por influência da Princesa Diana de Gales. Não deu qualquer importância ao facto e ostentou orgulhosamente a joia destituída de qualquer laço afetivo. Esqueceu a simbologia do anel. Até ao dia em que alguém lhe perguntou se estava noiva. Respondeu que não. O anel era um simples objeto de adorno, sem qualquer significado.
Casou. Foi feliz. Um dia, sem saber como, o símbolo daquela união desapareceu. Perdera a “aliança de casamento”. Aquela que, segundo se diz, simboliza a união eterna.
Nunca acreditou em lendas (ou mitos) mas a sua história fê-la pensar. Percebeu (mais tarde) que a partir daquela data entrou num caos de vida que haveria de a conduzir à perda (eterna) do marido. Nada colmatava a saudade que sentia. Apenas a dor se atenuou com o tempo. Voltou a usar o velho anel “de noivado”. Os dedos secos e enrugados pelo tempo já mal sustem a joia cuja safira, desgastada, perdeu o brilho de outrora como os olhos da mulher que a ostenta. É bonita (ainda). Algo vaidosa. Continua a gostar de enigmas e de seduzir. Pensa na sua história de vida. Na história do anel e relembra os tempos de infância, da juventude, de mulher adulta… reflete sobre o passado e sonha (ainda) com o futuro. Almeja paz e tranquilidade. Um porto seguro, onde possa abrigar-se dos ventos ciclónicos que sopram do “mar das tempestades”. Um mar que alberga preconceito, orgulho, vaidade, inveja e maldade. O mar da Vida como nos primórdios da vida planetária. Também nessa altura o mar primitivo albergava minúsculas microgotas que competiam entre si. Sobreviviam naturalmente as “mais aptas”. Por simples seleção natural. Como sobreviveu a mulher que parece frágil mas que é, afinal, um rochedo onde o “mar” bate constantemente, esculpindo rugas e sulcos.
Passou o tempo mas a alma de guerreira permanece intacta. Robusta e lutadora. Quer voltar a ser feliz. Amar e ser amada (sempre).
Sentada no alpendre sob a luz das estrelas sonha com a chegada do Príncipe (encantado), como nos contas de fadas. Acredita nele. Acredita no amor. Sempre e até ao fim dos seus dias.