"Velhinhos"...
Há uma sabedoria que me vicia e me prende (cada vez mais) às pessoas idosas. Gosto da simplicidade dos gestos e da forma genuína como transmitem vivências de outros tempos. Na sua companhia, não dou conta do passar das horas. Como acontecia, na minha infância, quando ficava a ouvir as histórias (reais e/ou ficcionadas) do meu bisavô materno, que ainda hoje constituem referenciais de valores e atitudes intemporais.
Num destes dias, dei de caras com uma dessas pessoas: o Senhor Manel, um velhinho (de oitenta e seis anos de idade), que vive em plena serra algarvia. Depois de uma breve troca de palavras de circunstância, conquisto a sua confiança. Digo-lhe de onde sou e o que faço ali. Num tom de voz, calmo e sereno, sem pressas nem ambições, como se o tempo não existisse e a vida fluísse em câmara lenta, diz-me: “A primeira vez que tomei praça[1] foi em Mértola, aos quinze anos”. Os olhos, encovados, brilham ao recordar os tempos de juventude: a faina da ceifa e os amores por terras alentejanas. As mãos, enrugadas, vão deslizando sobre as pernas, num vaivém lento e constante, enquanto o discurso singelo vai brotando da boca desdentada. Do rol de “canseiras”, deduzo que estou perante alguém que lutou pelo “pão nosso de cada dia”. No rosto marcado pelo tempo, vislumbro uma alma gigante, de ternura entrelaçada nas mãos; alma genuína, de rosto sem máscara, que me deixa absorta numa sabedoria milenar.
[1] “tomar praça” – termo popular, usado para designar a comparência em local público (praça, adro ou outro), perante os proprietários agrícolas, para recrutamento para trabalhar no campo.